Sempre tive minhas controvérsias em relação ao que a Páscoa representa hoje e o que representou há dois mil anos. Por mais que tente, não acho uma conexão sequer entre os coloridos ovos de chocolate e a mensagem de Solidariedade que o Cristo Planetário deixou ao ressuscitar. O que aconteceu, na verdade, com o decorrer do tempo, foi uma inversão de valores, somados à meia dúzia de capitalismo e um crescente ceticismo no coração das pessoas. E aí, o que temos? Voilà! A Páscoa do século XXI.
Mas nesta quinta-feira, 31, desdobrou-se uma história interessante que me comoveu com o seu desfecho.
Segue a história:
Esperando o ônibus, para correr ao trabalho dentro do trânsito caótico da Capital, me deparo com uma senhora, pequenina, de roupas engraçadas, coloridas, com algumas xuxinhas presas ao enrolado e loiro cabelo, uma begala e várias sacolas. Até então, nada demais.
— Ei você, sabe se o Imirim passou faz muito tempo?
Posicionado de maneira a ver se a condução estava chegando, me viro e dou de frente com ela, a senhora engraçada de outrora.
— Olha, estou esperando ele também, pode deixar que assim que chegar, lhe aviso. Respondi meio sem jeito, sem tirar os olhos da avenida.
Foi então que ela, tentando recapitular o assunto, disse:
— É que, sabe o que é? eu tenho um problema na perna (o que explica a bengala, citada no início), mal consigo dobrá-la. Será que você pode me ajudar com as sacolas quando o ônibus chegar?
— Claro que posso! Assim que ele parar aqui no ponto, lhe ajudo, e todos — eu, você e as sacolas — subiremos.
E ele parou. Ambos entraram. Ambos sentaram. No decorrer da viagem, assunto foi o que não faltou. Dona Virtudes tomava doze comprimidos de cefalexina e, por não ter condições de pagar táxi todos os dias, se prestava a ter que suportar as chaqualhadas descompassadas da condução. Digamos que ela representa a camada crescente de idosos que, por não terem outra opção, se "adaptam" à loucura de São Paulo, lhe restando apenas desabafar, com quem quiser ouvir, sobre como em algum momento de sua vida, as coisas eram diferentes.
Até que entre o vai-e-vem das curvas e lombadas, ela vira pra mim, posiciona sua mão sobre as sacolas e retira um ovo de Páscoa dourado, de marca simples e quase não conhecida.
— Sei que parece estranho, mas fica com ele, como forma de agradecimento por hoje.
No início, obviamente, recusei. Mas a insistência da aposentada foi tamanha que fui vencido, e com um sorriso sem graça, mas feliz, o coloquei dentro da bolsa. Chegou seu ponto final e, assim como ao entrar, a ajudei a sair. De longe, ela andava meio torta e balançando de um lado para o outro as sacolas, só que dessa vez, sem um dos ovos dourado.
Aquilo me deixou meio anestesiado, bobo, refletindo sobre o acontecido. Foi então, que percebi. Naquele momento, assim, pra mim, a Páscoa e todo o seu sentido perdido, tinha se consertado.
sábado, 3 de abril de 2010
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4 comentários:
Esse tipo de experiência é... indescritível.
De todos, esse foi o post mais lindo.
nossa, eu amei esse post, vou colocar ele no meu meadd. coloco o link daqui, gostaria que todas as pessoas pudessem ler., para mi ma pascoa é isso.
mas como vc disse no inicio, se perdeu em algumas pessoas.
Não sei qual seria minha reação com tal atitude, sabe? Óbvio que páscoa hoje é mais uma data capitalista do que com algum significado espiritual, mas lendo isso, ainda dá pra acreditar que algumas pessoas conseguem, com pequenos gestos, nos mostrar o verdadeiro sentido das coisas. Belo post Ceh, belo post!
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