sábado, 3 de abril de 2010

Desconserto da páscoa

Sempre tive minhas controvérsias em relação ao que a Páscoa representa hoje e o que representou há dois mil anos. Por mais que tente, não acho uma conexão sequer entre os coloridos ovos de chocolate e a mensagem de Solidariedade que o Cristo Planetário deixou ao ressuscitar. O que aconteceu, na verdade, com o decorrer do tempo, foi uma inversão de valores, somados à meia dúzia de capitalismo e um crescente ceticismo no coração das pessoas. E aí, o que temos? Voilà! A Páscoa do século XXI.
Mas nesta quinta-feira, 31, desdobrou-se uma história interessante que me comoveu com o seu desfecho.

Segue a história:

Esperando o ônibus, para correr ao trabalho dentro do trânsito caótico da Capital, me deparo com uma senhora, pequenina, de roupas engraçadas, coloridas, com algumas xuxinhas presas ao enrolado e loiro cabelo, uma begala e várias sacolas. Até então, nada demais.

Ei você, sabe se o Imirim passou faz muito tempo?

Posicionado de maneira a ver se a condução estava chegando, me viro e dou de frente com ela, a senhora engraçada de outrora.

Olha, estou esperando ele também, pode deixar que assim que chegar, lhe aviso. Respondi meio sem jeito, sem tirar os olhos da avenida.

Foi então que ela, tentando recapitular o assunto, disse:

É que, sabe o que é? eu tenho um problema na perna (o que explica a bengala, citada no início), mal consigo dobrá-la. Será que você pode me ajudar com as sacolas quando o ônibus chegar?

Claro que posso! Assim que ele parar aqui no ponto, lhe ajudo, e todos eu, você e as sacolas subiremos.

E ele parou. Ambos entraram. Ambos sentaram. No decorrer da viagem, assunto foi o que não faltou. Dona Virtudes tomava doze comprimidos de cefalexina e, por não ter condições de pagar táxi todos os dias, se prestava a ter que suportar as chaqualhadas descompassadas da condução. Digamos que ela representa a camada crescente de idosos que, por não terem outra opção, se "adaptam" à loucura de São Paulo, lhe restando apenas desabafar, com quem quiser ouvir, sobre como em algum momento de sua vida, as coisas eram diferentes.
Até que entre o vai-e-vem das curvas e lombadas, ela vira pra mim, posiciona sua mão sobre as sacolas e retira um ovo de Páscoa dourado, de marca simples e quase não conhecida.

Sei que parece estranho, mas fica com ele, como forma de agradecimento por hoje.

No início, obviamente, recusei. Mas a insistência da aposentada foi tamanha que fui vencido, e com um sorriso sem graça, mas feliz, o coloquei dentro da bolsa. Chegou seu ponto final e, assim como ao entrar, a ajudei a sair. De longe, ela andava meio torta e balançando de um lado para o outro as sacolas, só que dessa vez, sem um dos ovos dourado.

Aquilo me deixou meio anestesiado, bobo, refletindo sobre o acontecido. Foi então, que percebi. Naquele momento, assim, pra mim, a Páscoa e todo o seu sentido perdido, tinha se consertado.

4 comentários:

A! disse...

Esse tipo de experiência é... indescritível.

Anônimo disse...

De todos, esse foi o post mais lindo.

Daniele Albino disse...

nossa, eu amei esse post, vou colocar ele no meu meadd. coloco o link daqui, gostaria que todas as pessoas pudessem ler., para mi ma pascoa é isso.
mas como vc disse no inicio, se perdeu em algumas pessoas.

- um anjo ateu. disse...

Não sei qual seria minha reação com tal atitude, sabe? Óbvio que páscoa hoje é mais uma data capitalista do que com algum significado espiritual, mas lendo isso, ainda dá pra acreditar que algumas pessoas conseguem, com pequenos gestos, nos mostrar o verdadeiro sentido das coisas. Belo post Ceh, belo post!

Postar um comentário